É impossível para nós entender o que era a vida no Gueto. E é doloroso demais tentar entender. Dilemas que sequer ousamos cogitar, como o da mãe que não dorme à noite, guardando como sentinela um pedaço de pão para evitar seu próprio filho o coma durante a noite, privando os demais membros da família de um migalha valiosa do alimento.
É mais difícil lidar com as crianças. Um milhão e meio de crianças inocentes morreram durante a Shoá sem sequer conhecer o mundo. É impossível entender uma criança que jamais viu um rio ou o mar, jamais brincou numa praça e nem sequer sabe como é uma árvore, pois desde sua primeira infância, ao dar-se conta do mundo, já estava enclausurada no cinzento gueto. Como pode uma mão explicar ao filho o que significa "longe" quando o filho não sabe o que há além daquelas paredes. Não sabe sequer imaginar como são os bosques e as florestas, os rios e os lagos que estão distantes dali. Não sabe como são ou como deveriam ser.
As crianças são o retrato do que há de mais cruel no Holocausto. Desde o pequenino que nunca soube o que significa brincar ao adolescente que não teve a oportunidade de descobrir o mundo e seus defeitos e sonhar com seu conserto. Crianças que perderam suas vidas. Que foram privadas de sua infância. Que não conheceram seus pais. Que foram usadas como mão de obra. Crianças transformadas, devido a seu tamanho diminuto (e possibilidade de sair e entrar no gueto através de pequenas frestas no muro), em provedores de suas famílias - em contrabandistas de pão. É uma perspectiva dolorosa, mas verdadeira do que ocorreu aqui.
Abaixo, o poema "pequeno contrabandista" da poetiza judia polonesa Henrika Lazowert, assassinada em Treblinka em 1942. (tradução livre)
Por sobre os muros, através de orifícios, através de pontos de vigília,
Por baixo de fios, através de escombros, por baixo das cercas:
Com fome, ousado, teimoso
Eu escapo, ágil como um gato.
Ao meio-dia, à noite, na hora amanhecer,
Em nevascas, no calor,
Cem vezes arrisco minha vida,
Arrisco meu pescoço infantil.
Debaixo do braço um saco de pão,
Nas minhas costas um pano esfarrapado;
Correndo sobre minhas velozes pernas jovens
Com medo sempre em meu coração.
Mas tudo tem de ser sofrido;
E tudo deve ser suportado,
Para que amanhã você possa
Comer sua porção de pão.
Por sobre os muros, através de orifícios, através da grossa alvenaria,
À noite, de madrugada, de dia,
Com fome, ousadia, astúcia,
O silêncio como uma sombra que se move.
E se a mão do destino súbita
Se apodera de mim em algum ponto deste jogo,
É apenas o laço comum da vida.
Mamãe, não espere por mim.
Eu não vou voltar para você,
Sua voz distante não vai chegar.
A poeira da rua vai enterrar
O destino do jovem que se perdeu.
E só um pensamento triste,
Uma careta em seus lábios:
Quem, minha querida mamãe,
Vai lhe trazer o pão de amanhã?
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